Maria Cecília (42 anos) ou simplesmente Ciça para os amigos, tinha tudo para ser mais uma personagem de uma dessas histórias que povoam o noticiário policial de nossa cidade.
Nascida em uma família humilde não conheceu o pai. Ela e mais seis irmãos (Marcelo, Ciça, Guilherme, Marcos, Celina, Eliza, que faleceu ainda bebê e Vânia) eram pobres, mas felizes. A mãe, dona Ângela, sustentava a casa com o dinheirinho minguado do salário de diarista que ganhava lavando, passando roupas e costurando para a vizinhança do Bairro de Fátima, centro do Rio, onde moravam.
Para mostrar que vale a pena sonhar, mesmo nas condições mais adversas, Maria Cecília acaba de voltar do Canadá trazendo a taça de campeã mundial de caratê (categoria única) disputada em Toronto (foto). Um sonho que começou a se desenhar quando a menininha pobre e separada do resto dos irmãos com apenas 7 anos de idade, se apaixonou pelo esporte aos 20, quando fez uma visita a academia de caratê ‘Kamikaze’, na rua do Bispo, Rio Comprido, centro do Rio.
Ali, pela primeira vez ouviu o grito característico dos praticantes da milenar arte marcial oriental e quis ver de perto do que se tratava. Foi amor à primeira vista. Naquele dia Ciça disse para si mesma: “É isso que eu quero para a minha vida”.
De lá até nossos dias a menininha sem futuro e sem rumo passou a colecionar inúmeros troféus de campeonatos de caratê disputado ao redor do mundo (Argentina, Estados Unidos da América, Europa, África, Ásia e Oriente).
Fã do astro Bruce Lee, Maria Cecília fez do amor ao esporte sua profissão de fé. Mas até aqui, a jornada tem sido dura. A barra começou a pesar em 1973 quando os biscates da mãe dona Ângela foram escasseando e o dinheiro também. Com dificuldades para pagar o aluguel da casinha simples no Bairro de Fátima, centro do Rio, a família foi despejada e passou a morar na rua.
Não fosse a solidariedade da vizinhança as coisas poderiam ganhar outro rumo.
Primeiro uma vizinha acolheu os irmãos, mas o Juizado de Menores (hoje Vara da Infância e Juventude) impediu a ‘adoção’ sob o argumento de que havia gente demais naquela casa. O resultado da ação é que separaram os irmãos. As meninas foram para o Educandário N.Sra. de Fátima, em Jacarepaguá (Zona Oeste) e os irmãos para a extinta Febem (em Quintino).
“Mas Deus tinha um plano em nossas vidas”, justifica Ciça que é evangélica e congrega na Igreja Presbiteriana Esperança em Vargem Grande, desde os 20 anos de idade.
Sua sorte começou a mudar quando a dra. Maria Lúcia Barbosa Lima (advogada e comissária de menores ou anjo), levou a jovem para trabalhar em sua casa para cuidar do neto Bernardo de um ano e meio. Ali, permaneceu por três anos com casa, comida e roupa lavada além de estudar até concluir o 2º grau.
Foi então recomendada pela própria patroa para trabalhar na casa da dra. Ana Maria Xavier (também advogada) para cuidar do filho Fábio Augusto.
Mas a juventude aliada a um vazio existencial levou Ciça a buscar resposta em várias relações amorosas que a decepcionaram e que culminaram no consumo exagerado de álcool e drogas ilícitas pela ainda menina, Ciça.
Então, com 19 anos, ela encontra trabalho no Centro Educacional Deofrildo Trotta. E escola é extinta e os professores resolvem tocar um projeto próprio que era o de criar uma academia de esportes.
Aí, começa o envolvimento de Ciça com o caratê (amor à primeira vista). O primeiro treino foi com um quimono emprestado por um lutador muito maior que ela. Mas isso não foi problema porque a vontade era grande.
Entusiasmada pela filosofia empregada no caratê (conter a agressão, manter a calma em momentos tensos, dialogar sempre e respeitar o adversário) a jovem aspirante a campeã mergulhou de cabeça no esporte. Com oito anos de academia e faixa laranja na cintura, foi inscrita pelo inesquecível professor Eraldo Soares no Campeonato Carioca de Caratê nos anos 80 e ficou com o 3º lugar, derrotando outras campeãs de categorias superiores, inclusive faixas-pretas.
Logo em seguida foi selecionada para representar o Rio na Copa Brasil Manoel Tobino. Entusiasmada com a possibilidade de mudar o rumo da sua vida através do esporte e realizar o sonho de dar uma casa para a sua mãe dona Ângela, a jovem Ciça mergulhou nos treinos e os resultados começaram a acontecer. Foi selecionada para o Mundial do Egito em 88. Já chegou lá cantando marra e querendo enfrentar logo de cara a campeã japonesa.
A falta de humildade lhe custou caro. Levou uma baita surra da nipônica, mas aprendeu a lição.
Daí em diante, colocou em prática tudo o que a filosofia da arte marcial milenar ensinara e os resultados foram aparecendo: tetracampeã sul-americana, pentacampeã sul-americana, 12 vezes campeã estadual, dez vezes campeã brasileira, tricampeã mundial no Japão, campeã no Open de Paris, África do Sul, Angola e agora o tri no Canadá.
Tal proeza levou o nome de Maria Cecília para o Guiness-Book como a primeira latino-americana a conquistar títulos dentro do Japão, berço do caratê e no resto do mundo.
Casada com Fábio Maia (ex-goleiro do América a atualmente treinador de goleiros desempregado), Ciça tem três filhos que herdaram o talento da mãe para o esporte: Ana Carolina (13), faixa verde de caratê, Ana Bárbara (6) faixa vermelha e o caçula Allef (4) faixa branca.
A campeã entre um treino e outro encontra tempo para dar aulas em projetos sociais como o “Betânia Esporte”, em Realengo, que fica na comunidade carente de Nogueira de Sá e o “Suderj Informa no Fumacê”.
Uma história curiosa aconteceu com a atleta nos Jogos Pan-Americanos de 2007. Primeira colocada na classificatória acabou ficando de fora sem nenhuma explicação convincente da Comissão Técnica. Resultado: sua substituta apanhou feio durante a competição e não conquistou medalha.
O fato provocou a ira da torcida que passou a gritar o seu nome no estádio: “Ciça! Ciça! Ciça!”. Era o reconhecimento definitivo à garra e determinação de uma menina pobre que mudou o seu destino ao acreditar que vale a pena sonhar.
Fonte: Site Oficial do CR Vasco da Gama
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