Solange Chagas tem uma vida dedicada ao Atletismo e ao
Vasco da Gama. Conheça um pouco da vida e das conquistas desta mulher que brilhou nas pistas e ainda brilha fora delas.
ER: Solange, pode nos contar um pouco de sua trajetória até chegar à coordenadora técnica do Vasco da Gama?
SC: Solange Chagas do Valle, nascida em 26 de abril de 1952, no Rio de Janeiro, segunda filha dos cincos filhos de Jorge Chagas e Dulce da Sivlva Chagas, casada com José Carlos do Valle. Tenho uma única filha, ex atleta do Vasco, hoje primeiro tenente do Exércíto Brasileiro, oficial de comunicação social e que concluiu a segunda faculdade de tecnólogo em estética.
Bem, tudo começou aos 13 anos, em 1965, quando em uma competição escolar, ganhei todas as provas que participei, e fui chamada para ser atleta do Clube de Regatas Vasco da Gama, pelo o então técnico Fernando Resende. O clube foi neste mesmo ano campeão, na pista do Clube de Regatas Flamengo. No Campeonato Carioca Infantil, fiz três provas, corrida, salto em distância e revezamento e fui campeã nas três. O Vasco sagrou-se Campeão Carioca Infantil.
Participei dos primeiros Jogos Estudantis, realizados no Caio Martins em Niterói, vencendo todas as provas que participei: 100m, 200m e revezamento e do primeiro Jogos Brasileiros Estudantis realizados em Curitiba (PR) ,onde fiquei em segundo nos 100m, terceiro nos 200m e primeiro no revezamento 4x100m. Assim os anos passaram, participei de vários campeonatos Brasileiros e internacionais. Em sulamericanos, fui aos das categorias de base e de adulto, sendo atleta titular dos revezamentos de categorias de base e adulto. Era velocista e barreirista. Em 1969, fui considerada a melhor atleta do ano.
O Vasco promoveu um evento na pista de atletismo e fui homenageada recebendo um troféu do Presidente Agathyirno da Silva Gomes. Em 1974, com a construção da primeira pista sintética do Brasil, no Célio de Barros, foram convidados atletas estrangeiros e brasileiros para um evento. Do Rio foram três: eu, Silvina das Graças Pereira e Geraldo Aluisio Rodrigues. Fiquei em quinto lugar nas barreiras e em primeiro no revezamento misto onde correram duas americanas e duas brasileiras (eu e Silvina). Fechei a prova. Neste mesmo ano, passei para Universidade do Estado, antiga (UEG), onde fui cursar a primeira turma de Educação Física da UERJ.
Começamos com 120 alunos e não tinho conhecimento da turma que após 30 anos fez uma rediplomação e comparecem quase que 90% dos alunos, vindo gente que reside no exterior. No final de 1976, resolvi parar como atleta, por conta de uma ruptura dos ligamentos. Em 1977, casei-me na Capela de Nossa Senhora das Vitórias, que é a padroeira da agremiação, dentro de São Januario. Em 1978, foi minha formatura e a chegada de minha primeira e única filha. Fui chamada pelo então Vice-Presidente Antonio Augusto Cunha, para comandar a equipe do Vasco masculino e feminino. Aceitei, pois já tinha sido atleta e era, desde março de1972, funcionária telefonista. Fiz um pararelo entre telefonista e técnica.
Como técnica, convidei, Carlos Alberto Azevedo Cavalheiro e Francisco Manuel de Carvalho, para trabalharmos. A aceitação foi imediata, e assim formamos um grupo de muitas idéias que deu certo. Fizemos um festival de atletismo com 1.500 crianças, da faixa-etária de 10 a 16 anos, nos bairros de São Cristovão, Tijuca e arredores.
Foi um sucesso. Com os resultados, dentro de São Januario, após,as competições, foi feita uma peneira e o trabalho deu fruto. Formamos atletas campeões brasileiros, sulamericanos, intercontinentais e que chegaram ao terceiro lugar no Mundial. E assim foi seguindo até quebrarmos a hegemonia da Gama Filho, que dominava o atletismo no Rio de Janeiro. Em 1979, fiz pós-graduação em treinamento desportivo. Um ano depois iniciei, mestrado na UFRJ mas não concluí, pois tinha filha era pequena e a fonte de vida dela era a amamentação. E quanto aos atletas que já passaram por mim, centenas deles, muitos alcançaram seus sonhos de chegar a uma Olimpíada. Outros em Brasileiros, Sulamericanos e Mundiais. E para os demais, o esporte proporcionou a chance de chegar a uma universidade, alguns com a formação de médico, engenheiro, fisiologista, fisioterapeuta, veterinario, advogado e professores de Educação Física, etc.
Para mim, o esporte é sócio cultural e forma cidadãos. Os atletas já são por natureza os campeões da vida. Em 2000, com a implantação do Projeto Olímpico do Vasco, passei à coordenação da modalidade, e ajudava a administrar, além de vários técnicos com grupo de provas específicas e categorias, o Levantamento de Peso.
ER: Qual a estrutura que o Vasco da Gama disponibiliza para você e seus atletas?
SC: A estrutura é a mais moderna para acesso de todo o clube, incluindo funcionários, visitantes e atletas que representam o clube em qualquer modalidade. O Clube de Regatas Vasco da Gama, e eu particularmente, considero um colírio para os meus olhos. Garanto isso para todos que chegam para visitar. Gosto de estar lá todos os dias.
É a extensão de minha casa e família. Sempre foi muito bonito com a conservação do modelo antigo. Hoje, com a modernização do estádio, melhorou muito, mantendo a arquitetura e ampliando vários setores do clube. Agora, o que falta para completar a visão privilegiada e panorãmica de São Januário é uma pista de tartan, que antes era de carvão, e era a melhor pista da América do Sul, e tínhamos as melhores performances do Brasil (sonhar não custa nada, rsrsrs...). Era a época de ouro do atletismo vascaino.
Hoje, nos deslocamos para diversos pontos do Rio de janeiro para podermos ter um atletismo de auto rendimento, desde o treinamento de base, específico e competitivo. Treinamos em locais como: floresta, praia, morros e a pista do Célio de Barros, onde treina e compte a maior parte dos atletas do estado do Rio de Janeiro.
ER: Como sobrevive o Atletismo do clube? O esporte tem patrocínio próprio ou a verba vem da receita do Futebol?
SC: A sobrevivência vem dos primórdios e nos dias de hoje não é tão diferente. Tem que continuar sempre condicionada à sua interação e ter esperança que um dia vai melhorar. Estou trabalhando para isso e no aguardo de dias melhores. Não temos patrocínios, e sim, ajuda de custo de passagens, de alguns atletas que se deslocam de longe para chegarem aos treinos.
Quero externar aqui o meu agradecimento ao conseguir recursos de uma ex-atleta, professora e técnica de uma equipe de São Paulo, que nos premiou com essa ajuda bem-vinda. O colaborador faz a distribuição para os atletas direto com o patrocinador. Isso conseguido, agora, em Janeiro de 2012. O esporte amador aqui no Brasil, é muito difícil ter patrocinador de imediato, pois todos têm o mesmo discurso: querem o retorno também de imediato.
Não sabem que no caso do meu esporte por exemplo, leva no mínimo dez anos para a formação do atleta para chegar, ou não, em uma Olimpíada, com um mínimo de recurso, tendo ele um investimento direcionado para tal. Os esportes amadores do Brasil, não têm receita e sobrevive ainda com a verba do carro-chefe, que é o futebol.
ER: Quantos alunos o clube tem na escolinha? E quantos atletas federados?
SC: Nossa escolinha de atletismo tem aproximadamente 80 crianças na faixa de 10 a 15 anos, com aulas de iniciação três vezes na semana. Nosso quantitativo chega a um número na faixa de 220 atletas federados, incluindo os melhores da escolinha, que já podem competir nas diversas categorias da modalidade: Pré-Mirim, Mirim, Infantil, Infanto-juvenil, Juvenil, Sub-23 e Adulto.
Cada categoria compreende de no mínimo 12 e no máximo de 22 provas, onde podem participar três atletas por prova. Isso quer dizer, para se ter uma equipe completa para competir, um mínimo de 36 e um máximo de 66 atletas, fora as corridas de rua e Cross-Country.
ER: Como fazer para uma criança trocar o Futebol pelo Atletismo?
SC: Em razão do futebol e o atletismo serem esportes de massa, em qualquer esquina ou campo, podemos observar crianças correndo, saltando e jogando bola. Acontece muito raramente essa troca de crianças do futebol para o atletismo. Mas é claro que há mais procura pelo futebol, pois a indepedência financeira, o retorno financeiro são mais rápidos.
Acontece que são modalidades muito parecidas, pois ambas exigem o máximo do praticante, tanto fisicamente, como no fator psicológico. O atletismo pratica quem gosta e lembro também que todo esporte traz qualidade de vida.
ER: Como se descobre que uma criança tem talento para o Atletismo?
SC: Ao meu ver, quando são capazes de perceber e identificar no aprendizado natural os exercícios com determinação e inteligência, tentando sempre se aperfeiçoar com disposição de ser mais rápido, habilidoso, resistente e forte, e, dependendo da faixa etária, tem que ter prontidão para o desempenho e possibilidades de realizar os exercícios com leveza.
Nestes percebo que certamente apresentam um desenvolvimento acima da média dos demais. É um potencial, uma aptidão especial para o atletismo.
ER: Até os anos 80, o Vasco da Gama tinha uma pista ao redor do campo de São Januário. Faz falta o clube não ter estrutura para o Atletismo em sua casa?
SC: Nossa! Como eu gostaria que não tivessem terminado com a pista! Só quem gosta, sabe o que eu senti com a perda da pista na época. A falta faz e muito! O atleta acaba perdendo um pouco da identidade com o clube. Muitos que não eram vascainos, na boa época em que funcionava a pista em São Januario, viraram a casaca.
Passaram a torcer para o Vasco ferverosamente, agradecidos pelo apoio e oportunidade de fazer esporte e sentir-se parte de uma família de verdade. Passaram a ter o time do coração como continuação de sua família.
ER: Como você vê o afastamento de América, Botafogo, Flamengo e Fluminense, os clubes de massa, do Atletismo?
SC: Só lamento! Não existe atletismo sem Olimpíada e Olimpíada sem atletismo. Pena que os grandes clubes deixaram de apreciar uma modalidade que é natural e base para todos os outros esportes.
Uma modalidade que é bonita de se ver em um evento. É o saltar, o correr, o lançar! O atletismo é praticado por pessoas de todas as raças e origens sociais, com igualdade e sem discriminação.
É bonito de se ver: é força, velocidade, ultrapassagem nas barreiras, e sobretudo, é ação e motivação até para os leigos. O Vasco da Gama ainda é um dos grandes clubes que não deixou o atletismo do Rio de Janeiro acabar, dignificando o nosso estado do Rio de Janeiro.
ER: A estrutura do Engenhão é a mais moderna do Rio mas o Botafogo não tem escolinha, nem equipe de Atletismo. Seus atletas podem treinar lá de vez em quando?
SC: Verdade, o Estádio Olímpico João Havelange, um dos mais modernos do mundo. Seria mais uma opção para a comunidade do atletismo, mas tenho conhecimento que para treinamento ou competição tem quer firmar parceria, convênio etc...
ER: No início dos anos 2000, o Vasco tinha um super time de Atletismo. O que sobrou daquela equipe?
SC: Certo, foi a fase áurea dos esportes olímpicos: títulos em cima de títulos, vencíamos todos os tipos de competições e éramos uma potência olímpica, não só no atletismo, mas em outras modalidades. O Vasco revolucionou os esportes do Brasil. Parecíamos um país dentro do própio Brasil, tamanha eram as diferenças de resultados.
Tínhamos um excelente auto rendimento de nossas equipes de esportes individuais e coletivos. Na verdade, sobrou, após doze anos, muitos atletas iniciados por mim, que ainda se encontram representando o Brasil em diversos clubes do país,sendo o foco maior em São Paulo. E aí, posteriormente o esporte passou por uma fase difícil, e aos poucos foi acabando. Mesmo assim, durante anos, continuou mostrando resultados relevantes em alguns esportes fortes e brilhantes.
E eu continuo aqui. Passa ano, entra ano, formando safras, para representar o nosso Vasco e o Brasil. Registro aqui com certeza, São Januário representou o melhor momento da torcida vascaína no ano de 2000. E daqui a alguns anos, muitos, muitos lá na frente, muitos vão lembrar e irão olhar para trás e dizer: "No ano fracassado pelas previsões do fim do mundo, foi a mais bela passagem da história do Vasco nos esportes olímpicos! Foi sem dúvida impressionante"!
ER: Vasco tem atletas participando das corridas de rua?
SC: Temos sim! É um número reduzido, diferente do que temos em pista. São atletas antigos do Vasco, que vestem a camisa e correm com a camisa do clube. Como nas corridas de rua têm prêmios, eles correm com a outra peça do patrocinador, como boné ou algo personalizado na camisa ou uniforme.
A seção feminina é de atletas com mais de 16 anos de clube, e algumas delas também participam das provas de Cross-Country. Elas chegam a representar muitas vezes o Brasil em Mundiais da modalidade e até em corrida de Montanha!
ER: Na categoria adulta, o Vasco não venceu o Troféu Brasil desde 1954 e o Estadual desde 2001. É possível quebrar este jejum de títulos?
SC: A vontade é grande de voltar aos velhos tempos. Nos tempos modernos, é possível quebrar o jejum, através de no mínimo ter as condições necessárias de pessoal para as provas específicas e investimentos para tal formação.
Além disso, com a era da pista sintética, precisamos da comercialização do esporte, dos patrocinadores, de novos implementos... no momento, é isso que acontece nos dias de hoje. Na verdade, não estamos desde 1954 e 2001 sem títulos. Algumas pesquisas sobre o atletismo vascaino não são creditadas, e por isso, no Esporte Rio, a data confere, mas tem vários outros mais precisos.
Inclusive, tem algumas citações que não foram creditadas. Eu, como atleta, fui campeã do Troféu Brasil em 1974, 1975 e 1976. Antigamente para ser campeão definitivo teria que ganhar três vezes consecultivas o Troféu Brasil, ou cinco alternadas. E em 2000, com a parceria Vasco Funilense e Funilense Vasco, também fomos campeão e vice-campeões de fato.
O Esporte Rio tem várias conquistas vascaínas, basta clicar em "Atletismo". O clube conquistou ao longo dos anos diversas medalhas olímpicas, pan-americanas e sul-americanas, além de títulos nacionais, estaduais. O clube também tem inúmeros títulos em provas de corridas de rua e em todas as categorias de base.
Nota do Esporte Rio: O Esporte Rio não levou em consideração conquistas individuais, nem partes de uma conquista, como por exemplo uma etapa do antigo Troféu Brasil. Sobre a parceria Vasco/Funilense, o Vasco entrou apenas com o nome, se tornando mais um patrocinador do time da Funilense.
ER: Qual a meta do Vasco até o Rio 2016?
SC: É ter representante nas Olimpíadas. Estou trabalhando com metas e objetivos, em busca dos limites dos atletas. Temos uma safra de excelentes atletas, que estão tendo bons resultados. Não tem jeito: o negócio é realmente trabalhar e acreditar que a hora é essa. Focar nas Olimpíadas que serão aqui no Rio.
O trabalho para 2016 e 2020 é conscientizar o atleta que ele é a renovação de uma leva de alto-rendimento e que é possível estar em uma Olimpíada, com os incentivos e investimentos para tal.
ER: Quer deixar um recado para a torcida vascaína?
SC: Há muitos anos que sirvo ao meu clube e ao Brasil, vestindo a camisa e dando meu sangue como atleta. Hoje, sou profissional de atletismo e continuo amando e transformando vidas. O atleta precisa de incentivo. Todos que possam imaginar.
Mas o melhor deles todos, é o calor humano das torcidas gritando o seu nome, ou torcendo para a camisa do clube nas competições. Venham assistir o atletismo. É um dos esportes mais lindos de se ver!